Chegados à casa onde morava o menino das sardas misteriosas, os dois
famosos detectives sacudiram-se todos, porque estava a chover na rua. A mãe
do menino mandou-os sentar.
Desculpem, eu vou dar ordens para o jantar!
Olhe, minha senhora observou Patilhasé melhor dar
ordens
para contarem também com a gente... Compreende, convinha observar o
menino durante um dia inteiro, para tentar descobrir o enigma!
A senhora fez um sorriso um bocado amarelo, ao saber que tinha de contar
com mais dois convivas para o jantar. Mas via-se que era tão grande
o seu desejo de resolver aquele caso estranho, que disse logo que sim...
Não sei é se os senhores gostam de iscas com elas!
Patilhas ficou logo com o bigode aos saltos.
Iscas com elas? Magnífico, minha senhora! É um dos meus
pratos preferidos!
Eu gosto mais delas, e tanto me faz que seja com iscas ou sem iscas!
disse o Ventoinha,
Elas, quem?perguntou a senhora ?
Elas... as miúdas... as garotas! Gosto muito... disse
Ventoinha,sem vergonha nenhuma.
Nesse momento, alguém bateu à porta. A senhora pôs um
dedo na boca, e recomendou:
Agora, silêncio! Especialmente o senhor Ventoinha, não
deve tornar a ter dessas conversas para maiores de 60 anos, porque o meu filho
vem aí.
Entrava nesse momento um miúdo muito rechonchudo, que olhou espantado
para os famosos detectives.
Olha o Patilhas e o Ventoinha aqui em casa! ó mamã, bestial!
São os meus heróis preferidos! A malta lá da escola vai
ficar com uma grande cachola, quando souber que o Patilhas e o Ventoinha estiveram
cá em casa!
Os dois detectives, lisonjeados, fizeram um sorriso modesto, e deram umas
palmadinhas
amistosas na cabecinha da criança, que estava encantada.
Está ainda a chover, meu filho!
disse a mãe. Tira a gabardina!
Como vêem, agora o meu filho não tem sardas nenhumas!
Patilhas interveio.
Minha senhora, a partir deste momento, o seu filho será observado
por nós!
Amanhã teremos a solução deste enigma! E agora... se
fôssemos jantar?...
Durante o jantar, Patilhas não tirou os olhos do miúdo, e Ventoinha
não tirou os olhos da travessa,enquanto não lhe serviram iscas
pela quinta vez. Mas nada se passou de especial, a não ser o facto
do miúdo ter feito um grande berreiro quando a mãe o quis obrigar
a comer a sopa, e de ter dado um pontapé na canela do Ventoinha, quando
este ia para bifar da travessa o último bocado de isca.
Patilhas tinha pedido para dormirem ambos no corredor, à porta do quarto
da criancinha.
Assim, fizeram-lhes umas camas no chão, e daí a nada Ventoinha
ressonava tanto, que os vizinhos
de baixo fartaram-se de bater com uma vassoura no tecto, julgando que estava
algum motor a trabalhar naquela casa...
Patilhas, porém, estava mais vigilante, e acordava de cinco em cinco
minutos.
Não por causa do miúdo, mas por causa de uma mosca que não
o largava nem o tiro.
Nada de especial se passou durante a noite. No outro dia, de manhã,
quando o miúdo se levantou e deitou a cabeça de fora do quarto...
Vejam, vejam! exclamou a mãe.Olhem para a cara dele,
cheia de sardas!
Patilhas e Ventoinha pegaram nas lupas n.° 14, e examinaram a cara do
garoto.
Parece-me que já sei do que se trata! disse Patilhas.
Vai lavar a cara, meu menino, vai!
O miúdo foi então para a casa de banho, enquanto a mãe
tentava saber qual era a ideia do famoso inspector.
Ainda é cedo para eu expor as minhas conclusões, madame!
Já lhe disse que não me chamoMadame! O meu nome é
Gertrudes, disse a senhora.
Mas... onde está o senhor Ventoinha?
Foram dar com ele, na cozinha, a dar cabo de uma data de torradas e de fatias
de pão com compota, acompanhadas por uma chávena almoçadeira
cheia de café com leite.
Ventoinha, o momento não é para comezainas! ralhou
o Inspector.
Não é o momento?replicou o Ventoinha.Essa
agora! Eu sempre costumo tomar o meu pequeno almoço a esta hora.
Chamar pequeno almoço a isto tudo que ele está a comer,
é que eu nunca tinha ouvido
disse a dona
Gertrudes, enquanto voltavam pelo corredor, em direcção ao quarto
do pequeno. Este já tinha saído da casa de banho... e as sardas
misteriosas continuavam a salpicar-lhe as faces bochechudas!
Está a ver, senhor Inspector?
O meu filho tem a cara cheia de sardas ! Só logo, quando voltar da
escola, elas desaparecerão...
Confesso que estou espantado, minha senhora... Ao princípio,
as sardas não me pareceram sardas...
Pareceram-me outra coisa... Mas agora, que o seu filho lavou a cara, e elas
permanecem, confesso que estou embaraçado... A senhora não quererá
chamar um médico, para ele dar o seu parecer?
Oh, não! Aliás, não há nenhum médico
que queira vir cá a casa ver o meu filho! Ele tem o costume de tratar
os senhores doutores muito mal! Parte os termómetros, mete-os no nariz
dos médicos, puxa-lhes pela gravata, serve-se do estetoscópio
como se fosse uma fisga, entorna os comprimidos que eles trazem na mala, e
no fim mete-lhes baratas nas algibeiras, quando eles se vão embora!
Oh, não, nenhum médico virá ver o meu filho! Aliás,
não me parece que se trate de uma doença! Isto é um mistério,
que só um grande detective, como o senhor, poderá decifrar !
O pior é que o grande detective parecia estar um bocado à brocha
para achar a solução daquele caso. Entretanto, o miúdo
continuava a ostentar as misteriosas sardase a ostentar, ao mesmo tempo,
uma grandecíssima má-criação, chamando nomes ao
Inspector Patilhas, e roubando-lhe coisas das algibeiras.
Ele nem dava por nada, absorvido como estava nos mais profundos pensamentos.
Pensava, talvez, na barraca que estava a dar, não resolvendo aquele
caso!
Que grande entalação!
O Ventoinha, nesse
momento, apareceu ao fundo do corredor, ainda a mastigar a última torrada.
Olhou para o Chefe, olhou para o miúdo, sorriu, e declarou...
Chefe, eu já achei a solução do caso!
Patilhas olhou para ele, com desprezo, e disse:
Tu? Não me faças rir, por causa do meu cieiro!
O Ventoinha, todo enxofrado com aquela desconsideração, exclamou:
Ah, não acredita ? Pois vou dizer-lhe: essas sardas que o miúdo
tem, não são sardas! A origem das manchas é outra! E
elas desaparecem quando o miúdo volta da escola, porque tem estado
a chover nestes últimos dias, e a água lava-lhe a cara!
Não digas estupidezes, Ventoinha ! repreendeu o Inspector.
Se estas manchas saíssem com água, já tinham saído
agora, depois do pequeno ter lavado a cara!
E o Chefe não sabe que os miúdos que vão para
a casa de banho sozinhos só fazem barulho com a água, mas não
se lavam?!
Todos ficaram espantados! Ninguém se tinha lembrado daquilo!
A provar a justeza das palavras do Ventoinha, o miúdo cavou logo pelo
corredor fora, antes que levasse algum tabefe da mãe, e foi meter-se
na casa de banho, a lavar cuidadosamente as bochechas.
Mas então perguntou a dona
Gertrudes não há mistério nenhum? É tudo
uma questão de falta
de lavagem do meu filho?
É, sim, minha senhora! declarou o Ventoinha. Experimente
a senhora ir todas as manhãs com ele para a casa de banho, e lavar-lhe
a cara com palha de aço, e vai vercomo as sardas misteriosas desaparecem
logo.
O Inspector Patilhas estava um bocado encavacado com aquele fiasco
pessoal, porque, no fim de contas, o seu ajudante Ventoinha é que resolvia
o caso. Julgando atrapalhá-lo, perguntou-lhe:
Então, vamos lá a saber! Conseguiste provar que não
há nenhum mistério no desaparecimento das manchas! Saem com
a chuva! Mas como explicas o seu aparecimento?
O que é que as provoca? Anda, responde, se és capaz! .
Pois claro que sou, Chefe! As sardas misteriosas não são
mais do que... impressões
digitais de moscas!
FIM