O CASO DAS SARDAS MISTERIOSAS
—Não, Chefe! Outra vez, não!
Vendo que o Ventoinha não era bom público, o Inspector preparou-se para se enfronhar novamente no l, X, 2. Mas o Ventoinha chamou-lhe a atenção:
—O que faço à senhora do chapéu das flores?
— Diz-lhe que arranje outro chapéu, porque chapéus de flores já não se usam há muitos anos!
Porém, nesse momento, a senhora em questão assomou o chapéu à porta do gabinete, e disse:
—Senhor Inspector, desculpe a minha ousadia, mas é que já estou
farta de secar, e tenho que fazer lá em casa! Quando é que o senhor pode
vir comigo, para investigar o caso das sardas misteriosas?
Aquelas palavras tiveram o condão de despertar o interesse do grande Patilhas, que perguntou:
— E o que vem a ser isso das sar das misteriosas, madame?
—O meu nome não é Madame, é Gertrudes! Pois bem, o caso passa-se com o meu filho! Quando acorda, de manhã, está sempre cheio de sardas.
Nascem-lhe durante a noite! Depois, vai para a escola e, quando volta, já não traz sardas outra vez!
—Que grande mistério!—exclamou Patilhas. — Esse é precisamente o género de caso que me interessa! Tratarei de investigar esse enigma das sardas, e estou certo de que, com a ajuda do meu génio, saberei resolvê-lo !
—Com a ajuda do seu génio... e com a minha também, Chefe! — disse o Ventoinha.
Patilhas e Ventoinha preparavam-se para partir, a desvendar mais um caso que iria aumentar o seu palmares de grandes detectives particulares absolutamente à parte.
—Ventoinha, traz as lupas! Traz também o laboratório de algibeira!
E os meus cachimbos todos, porque vou ter muito que pensar para resolver este caso, e portanto fumarei mais! Traz ainda a colecção das pistolas, incluindo, as pistolas de água,
porque nunca se sabe os perigos que nos esperam! E traz também a minha cana de pesca, o meu rádio portátil, e uma colecção de revistas, porque nunca se sabe quanto tempo terei de passar à espera de resolver o enigma! Olha, e traz ainda....
—Ó Chefe, francamente, é de mais! O Chefe julga que eu sou a lguma camioneta de mudanças? Traz isto, traz aquilo... Eu não aguento com tanta coisa! Porque é que o Chefe não me ajuda a carregar com a tralha?
—Silêncio! Aqui, quem manda sou eu!
—Enquanto eu não o mandar... à fava! Se isto continua assim, quero que me faça contas, e vou-me embora no fim do mês!
—Ventoinha, não refiles!
—Ai não, não refilo! Eu sou um moço de recados? Não sou! eu sou...
—Xarope!—disse o Inspector, no seu mais puro inglês da doca. Se não me vens ajudar neste caso, não recebes os ordenados que tens em atraso!
—Imaginem! E pensar que o Chefe já me deve os ordenados desde Agosto de 1954! Se me despeço, nunca mais vejo a massa! Assim, talvez ainda tenha sorte...
— Então, sempre te resolves a trazer a tralha, e a vir comigo?
Resignadamente, Ventoinha responde
—O.K., Chefe!... Contrariado... mas vou!

Chegados à casa onde morava o menino das sardas misteriosas, os dois famosos detectives sacudiram-se todos, porque estava a chover na rua. A mãe do menino mandou-os sentar.
—Desculpem, eu vou dar ordens para o jantar!
— Olhe, minha senhora — observou Patilhas—é melhor dar ordens
para contarem também com a gente... Compreende, convinha observar o menino durante um dia inteiro, para tentar descobrir o enigma!
A senhora fez um sorriso um bocado amarelo, ao saber que tinha de contar
com mais dois convivas para o jantar. Mas via-se que era tão grande o seu desejo de resolver aquele caso estranho, que disse logo que sim...
— Não sei é se os senhores gostam de iscas com elas!
Patilhas ficou logo com o bigode aos saltos.
—Iscas com elas? Magnífico, minha senhora! É um dos meus pratos preferidos!
—Eu gosto mais delas, e tanto me faz que seja com iscas ou sem iscas! — disse o Ventoinha,
—Elas, quem?—perguntou a senhora ?
—Elas... as miúdas... as garotas! Gosto muito... — disse Ventoinha,sem vergonha nenhuma.
Nesse momento, alguém bateu à porta. A senhora pôs um dedo na boca, e recomendou:
—Agora, silêncio! Especialmente o senhor Ventoinha, não deve tornar a ter dessas conversas para maiores de 60 anos, porque o meu filho vem aí.
Entrava nesse momento um miúdo muito rechonchudo, que olhou espantado
para os famosos detectives.
—Olha o Patilhas e o Ventoinha aqui em casa! ó mamã, bestial! São os meus heróis preferidos! A malta lá da escola vai ficar com uma grande cachola, quando souber que o Patilhas e o Ventoinha estiveram cá em casa!
Os dois detectives, lisonjeados, fizeram um sorriso modesto, e deram umas palmadinhas
amistosas na cabecinha da criança, que estava encantada.
—Está ainda a chover, meu filho!
— disse a mãe. — Tira a gabardina!
Como vêem, agora o meu filho não tem sardas nenhumas!
Patilhas interveio.
—Minha senhora, a partir deste momento, o seu filho será observado por nós!
Amanhã teremos a solução deste enigma! E agora... se fôssemos jantar?...
Durante o jantar, Patilhas não tirou os olhos do miúdo, e Ventoinha não tirou os olhos da travessa,enquanto não lhe serviram iscas pela quinta vez. Mas nada se passou de especial, a não ser o facto do miúdo ter feito um grande berreiro quando a mãe o quis obrigar a comer a sopa, e de ter dado um pontapé na canela do Ventoinha, quando este ia para bifar da travessa o último bocado de isca.
Patilhas tinha pedido para dormirem ambos no corredor, à porta do quarto da criancinha.
Assim, fizeram-lhes umas camas no chão, e daí a nada Ventoinha ressonava tanto, que os vizinhos
de baixo fartaram-se de bater com uma vassoura no tecto, julgando que estava algum motor a trabalhar naquela casa...
Patilhas, porém, estava mais vigilante, e acordava de cinco em cinco minutos.
Não por causa do miúdo, mas por causa de uma mosca que não o largava nem o tiro.
Nada de especial se passou durante a noite. No outro dia, de manhã, quando o miúdo se levantou e deitou a cabeça de fora do quarto...
—Vejam, vejam! — exclamou a mãe.—Olhem para a cara dele, cheia de sardas!
Patilhas e Ventoinha pegaram nas lupas n.° 14, e examinaram a cara do garoto.
— Parece-me que já sei do que se trata! — disse Patilhas. — Vai lavar a cara, meu menino, vai!
O miúdo foi então para a casa de banho, enquanto a mãe tentava saber qual era a ideia do famoso inspector.
—Ainda é cedo para eu expor as minhas conclusões, madame!
—Já lhe disse que não me chamoMadame! O meu nome é Gertrudes, disse a senhora.
—Mas... onde está o senhor Ventoinha?
Foram dar com ele, na cozinha, a dar cabo de uma data de torradas e de fatias de pão com compota, acompanhadas por uma chávena almoçadeira cheia de café com leite.
—Ventoinha, o momento não é para comezainas! — ralhou o Inspector.
—Não é o momento?—replicou o Ventoinha.—Essa agora! Eu sempre costumo tomar o meu pequeno almoço a esta hora.
— Chamar pequeno almoço a isto tudo que ele está a comer, é que eu nunca tinha ouvido
— disse a dona
Gertrudes, enquanto voltavam pelo corredor, em direcção ao quarto do pequeno. Este já tinha saído da casa de banho... e as sardas misteriosas continuavam a salpicar-lhe as faces bochechudas!
—Está a ver, senhor Inspector?
O meu filho tem a cara cheia de sardas ! Só logo, quando voltar da escola, elas desaparecerão...
— Confesso que estou espantado, minha senhora... Ao princípio, as sardas não me pareceram sardas...
Pareceram-me outra coisa... Mas agora, que o seu filho lavou a cara, e elas permanecem, confesso que estou embaraçado... A senhora não quererá chamar um médico, para ele dar o seu parecer?
— Oh, não! Aliás, não há nenhum médico que queira vir cá a casa ver o meu filho! Ele tem o costume de tratar os senhores doutores muito mal! Parte os termómetros, mete-os no nariz dos médicos, puxa-lhes pela gravata, serve-se do estetoscópio
como se fosse uma fisga, entorna os comprimidos que eles trazem na mala, e no fim mete-lhes baratas nas algibeiras, quando eles se vão embora! Oh, não, nenhum médico virá ver o meu filho! Aliás, não me parece que se trate de uma doença! Isto é um mistério, que só um grande detective, como o senhor, poderá decifrar !
O pior é que o grande detective parecia estar um bocado à brocha para achar a solução daquele caso. Entretanto, o miúdo continuava a ostentar as misteriosas sardas—e a ostentar, ao mesmo tempo, uma grandecíssima má-criação, chamando nomes ao Inspector Patilhas, e roubando-lhe coisas das algibeiras.
Ele nem dava por nada, absorvido como estava nos mais profundos pensamentos. Pensava, talvez, na barraca que estava a dar, não resolvendo aquele caso!
Que grande entalação!

O Ventoinha, nesse momento, apareceu ao fundo do corredor, ainda a mastigar a última torrada.
Olhou para o Chefe, olhou para o miúdo, sorriu, e declarou...
—Chefe, eu já achei a solução do caso!
Patilhas olhou para ele, com desprezo, e disse:
—Tu? Não me faças rir, por causa do meu cieiro!
O Ventoinha, todo enxofrado com aquela desconsideração, exclamou:
— Ah, não acredita ? Pois vou dizer-lhe: essas sardas que o miúdo tem, não são sardas! A origem das manchas é outra! E elas desaparecem quando o miúdo volta da escola, porque tem estado a chover nestes últimos dias, e a água lava-lhe a cara!
—Não digas estupidezes, Ventoinha ! — repreendeu o Inspector. Se estas manchas saíssem com água, já tinham saído agora, depois do pequeno ter lavado a cara!
— E o Chefe não sabe que os miúdos que vão para a casa de banho sozinhos só fazem barulho com a água, mas não se lavam?!
Todos ficaram espantados! Ninguém se tinha lembrado daquilo!
A provar a justeza das palavras do Ventoinha, o miúdo cavou logo pelo corredor fora, antes que levasse algum tabefe da mãe, e foi meter-se na casa de banho, a lavar cuidadosamente as bochechas.
— Mas então — perguntou a dona
Gertrudes — não há mistério nenhum? É tudo uma questão de falta
de lavagem do meu filho?
— É, sim, minha senhora! — declarou o Ventoinha. — Experimente a senhora ir todas as manhãs com ele para a casa de banho, e lavar-lhe a cara com palha de aço, e vai vercomo as sardas misteriosas desaparecem logo.
O Inspector Patilhas estava um bocado encavacado com aquele fiasco
pessoal, porque, no fim de contas, o seu ajudante Ventoinha é que resolvia o caso. Julgando atrapalhá-lo, perguntou-lhe:

—Então, vamos lá a saber! Conseguiste provar que não há nenhum mistério no desaparecimento das manchas! Saem com a chuva! Mas como explicas o seu aparecimento?
O que é que as provoca? Anda, responde, se és capaz! .
—Pois claro que sou, Chefe! As sardas misteriosas não são mais do que... impressões
digitais de moscas!

FIM

PARODIANTES DE LISBOA
- O CASO DO BARBUDO PERSEGUIDO
- O CASO DO MORTO ENVERGONHADO
—Chefe! Está ali uma senhora com um chapéu de flores! — disse o
Ventoinha, entrando no gabinete do Inspector Patilhas, que estava a preencher o seu Totobola.
—Diz-lhe que não estou interessado! Nunca gostei de chapéus de flores! — disse Patilhas, distraidamente.

—Ó, Chefe, francamente! Essa piada é mais velha que o azeite - e -
-vinagre! O Chefe tem responsabilidades! Quando disser uma laracha, ao menos que seja uma laracha das boas!

—Queres que te conte a anedota do papagaio que...
















PATILHAS E VENTOINHA