O CASO DO MORTO ENVERGONHADO

Era meia-noite, menos 220$00, da última prestação do relógio de sala de estar... a ver televisão.
Em casa do grande inventor de molas automáticas para a roupa, tudo corria normalmente.
O Sábio Palitovsky estava na biblioteca, a ler a página de anúncios do «Diabo de Notícias». Sua esposa, a senhora de Palitovsky, jogava à canasta com as três criadas de dentro. Na cozinha, a Licas Petisqueira
—cozinheira sindicalizada e com as cotas em
dias—preparava o chá de flor de nêspera para a senhora, e o copo de bagaço-super para o sábio...
O ambiente era tranquilo... De súbito, ouviu-se um grito agudo, que fez estremecer os candelabros e outras pendurezas que caíam aristo-cràticamente dos tectos pintados a ouro.Era meia-noite, menos 220$00, da última prestação do relógio de sala de estar... a ver televisão.

PARODIANTES DE LISBOA
O CASO DAS SARDAS MESTIRIOSAS
- O CASO DO BARBUDO PERSEGUIDO
Em casa do grande inventor de molas automáticas para a roupa, tudo corria normalmente.
O Sábio Palitovsky estava na biblioteca, a ler a página de anúncios do «Diabo de Notícias». Sua esposa, a senhora de Palitovsky, jogava à canasta com as três criadas de dentro. Na cozinha, a Licas Petisqueira —cozinheira sindicalizada e com as cotas em dias—preparava o chá de
flor de nêspera para a senhora, e o copo de bagaço-super para o sábio...
O ambiente era tranquilo... De súbito, ouviu-se um grito agudo, que fez estremecer os candelabros e outras pendurezas que caíam aristo-cràticamente dos tectos pintados a ouro.
A senhora de Palitovsky «arreou» a canasta sobre a mesa forrada de flanela azul, com 90 de largo, que tinha sido comprada num saldo de fim-de-estação, e correu à biblioteca. Ao abrir a pesada porta daquele cofre literário, viu com espanto que o seu esposo estava caído sobre a carpete, de barriga para o ar e com o rosto coberto por uma das mãos.
O morto tinha morrido envergonhado.
Imediatamente a viúva telefonou para a polícia, mas o assassino, ou assassinos, tinham cortado o fio telefónico. A senhora viúva de fresco, estava aturdida. Foi neste preciso instante que a Licas Petisqueira se lembrou de ir num pé e vir noutro, avisar o polícia de giro que, segundo mais tarde se provará, era realmente um polícia giro... Um bom farda, no dizer das cozinheiras lá da rua.
- Minha senhora!... Eu vou já!... disse a Licas - Ê preciso que a polícia tome conta desta ocorrência!...
- Vai, Licas - disse a senhora, e desmaiou logo a seguir.
As três criadas que tinham estado a jogar à canasta com a senhora, ainda não se tinham apercebido do que se passara. Foi então que uma delas, a Rosinha Peluda, observou:
-A senhora saiu aos gritos... Tratará havido alguma desgraça?
-A senhora, de vez em quando, tem aqueles ataques de estupidez...
Vamos continuar!-disse uma outra serviçal.
Até que a terceira criada de dentro resolveu ir ver o que se passava.
E então, outro grito se ouviu!
Aquilo era de gritos!

Quando a viúva despertou, encontrou todas as criadas caídas por terra...
-Oh, não me digam!... Também mataram as minhas três criadas de dentro!... E agora, como vou eu, sozinha, fazer o serviço da casa?...
Oh, estas criadas são horríveis! Até se deixam matar, só para não fazerem o serviço que lhes compete...
Enquanto esta cena triste e arrepiante se passava na residência do sábio Palitovsky, a cozinheira Liças Petisqueira, que sempre tinha saído à procura de um polícia de giro, tinha encontrado o que desejava...
-Oh, Gervásio, ainda bem que te encontro!

- Olá, Licas!... O que faz a minha queridinha aqui a estas horas, toda despenteadinha, e com as mâozinhas a cheirar a cebolazinha?
- Gervásio, preciso que me acompanhes !
-Não posso, Liças! Estou de serviço, e sabes bem que eu sempre gostei de cumprir com os regulamentos. Só saio daqui por duas horas...
- Meu amor, mas eu preciso que tu me acompanhes...
-Não insistas. Liças! Guarda o passeio para mais logo!
-Mas eu não quero que tu venhas passear comigo... Eu...
-Já sei! Queres que eu te leve ao cinema.
-Não!... Irra que tu és de compreensão lenta! Eu quero que tu venhas comigo a casa da minha patroa.
-Não penses nisso. A tua patroa pensa que eu vou lá para petiscar alguma coisa... Não! A casa da tua patroa, não vou!
- Mas tens que ir... Se não vaisa bem, vais a mal!
- Liças, não toques na farda, olha que eu dou-te voz de prisão!
- Presa já eu estou ao teu coração. ..
-Também eu, meu amor!... Licas, como eu gosto de ti... Para o ano, se tudo correr bem, casaremos na terra.
- Na terra ?! Então querias casar no mar?
- Não brinques, Liças!... Eu disse que casaríamos na terra, mas é na nossa terra natal!
-Casar no Natal?!... Que coisa tão estúpida...
-Liças, tira a caspa da cabecinha e faz o possível por me compreenderes... Eu quero que a gente
case na nossa terra... Percebes?!...
Em Piteiras de Cima!
-Ah!!!
-Até que enfim!...
- Gervásío, mas vem comigo a casa da minha patroa... É que assassinaram o senhor Palitovsky!
Ao ouvir estas palavras da cozinheira, o polícia arrancou a toda a velocidade, deixando a cozinheira meio aparvalhada, porque na outra metade já ela o era há muito, e em doses industriais...
O polícia chegou a casa do morto com a língua de fora... Fizera os cem metros em tempo «record»... Tocou a campainha, esperou e ninguém lhe abriu a porta. Mas, como era um polícia astuto, resolveu entrar pela porta de serviço. Entrou na cozinha e, quando espreitou pela porta da biblioteca, deu um grito e caiu para o lado...
Mais tarde, a cozinheira chegou também à residência, onde estavam todos caídos por terra... Foi a vez da Licas Petisqueira cair para o lado, tendo o cuidado de ir desmaiar mesmo ao lado do polícia...

Quando os detectives Patilhas e Ventoinha chegaram ao local do crime, o espectáculo era horrível!...
Na biblioteca estavam os corpos inertes do Sábio Palitovsky, de sua esposa, das três criadas de dentro, da cozinheira, e ainda do polícia...
- Oh, chefe isto até parece um cemitério!
-Que grande tragédia, Ventoinha!... Isto é o que se chama um crime por atacado...
Estavam os dois detectives a olhar para este cenário macabro, quando se ouviu um violento espirro...
-Santinho, chefe!
-Eu não espirrei. Ventoinha!
-O quê?!... Então!... Ai!...
E o Ventoinha desmaiou, e caiu em cima de um monte de corpos moribundos. Foi nesta altura que todos se levantaram, assustados, fazendo com que o Patilhas também desmaiasse...

Uma hora depois, só se encontravam na sala da biblioteca os corpos do Patilhas, do Ventoinha e do sábio Palitovsky... Todos os outros tinham fugido espavoridos... O Ventoinha foi o primeiro a despertar do des-maio. ..
Ao ver o seu chefe caído, deu uma gargalhada estúpida...
-Ai!... Ah!... Ah!... Agora já sei que o chefe também é medricas!... Ah!... Ah!... Ah!...
Ao ouvir estas gargalhadas, o Inspector Patilhas acordou...
-Ventoinha, eu-não desmaiei... Isto foi truque... Percebes?!... Foi truque...
-Pois... Foi truque... O chefe é um brincalhão, não é?!
-Ventoinha, vamos ao trabalho!... Primeiro, temos que saber se o morto está mesmo morto...
-Até cheira, chefe!... Está morto e bem morto... Só não percebo o motivo por que ficou com o rosto, tapado... Devia ter morrido envergonhado. ..
-Ventoinha, este homem não foi assassinado... Devia ter morrido de vergonha... Vês aqui este jornal?!
-Vejo sim, chefe!,.. Está aberto na página de anúncios...
-Devia ter morrido envergonhado por algum anúncio que aqui vem... Ventoinha, vamos procurar esse anúncio!...
-Talvez seja este: «Empregado, precisa-se, para escritório, que saiba inglês, francês, contabilidade, estenografia, expediente. Ordenado inicial 600$00 por mês...»
-Não! ...O caso devia ter sido mais inacreditável... Sim, porque um homem não pode morrer envergonhado por um caso vulgar... Tem que ser realmente um anúncio estúpido. ..
-Então, vamos procurar melhor...
Iam decorridos 53 minutos e 14 segundos, e os detectives Patilhas e Ventoinha ainda não tinham descoberto o anúncio que teria provocado a morte do sábio Palitovsky, quando o morto levantou a cabeça e disse:
-Eu não morri por causa do anúncio... Eu morri envergonhado porque... li no jornal a notícia da minha morte!... Que vergonha! Morrer sem ter pago as minhas dívidas!... Oh, que vergonha!
E, dizendo isto, o morto voltou ao seu estado primitivo, e o Inspector Patilhas disse ao seu ajudante:
-Se todos pensassem neste caso, ninguém morria sem vergonha...
- Realmente, há muito pouca vergonha, chefe!-acrescentou o Ventoinha.

FIM














PATILHAS E VENTOINHA
PARODIANTES