Era meia-noite,
menos 220$00, da última prestação do relógio de
sala de estar... a ver televisão.
Em casa do grande inventor de molas automáticas para a roupa, tudo
corria normalmente.
O Sábio Palitovsky estava na biblioteca, a ler a página de anúncios
do «Diabo de Notícias». Sua esposa, a senhora de Palitovsky,
jogava à canasta com as três criadas de dentro. Na cozinha, a
Licas Petisqueira
cozinheira sindicalizada e com as cotas em
diaspreparava o chá de flor de nêspera para a senhora,
e o copo de bagaço-super para o sábio...
O ambiente era tranquilo... De súbito, ouviu-se um grito agudo, que
fez estremecer os candelabros e outras pendurezas que caíam aristo-cràticamente
dos tectos pintados a ouro.Era meia-noite, menos 220$00, da última
prestação do relógio de sala de estar... a ver televisão.
- Olá, Licas!...
O que faz a minha queridinha aqui a estas horas, toda despenteadinha, e com
as mâozinhas a cheirar a cebolazinha?
- Gervásio, preciso que me acompanhes !
-Não posso, Liças! Estou de serviço, e sabes bem que
eu sempre gostei de cumprir com os regulamentos. Só saio daqui por
duas horas...
- Meu amor, mas eu preciso que tu me acompanhes...
-Não insistas. Liças! Guarda o passeio para mais logo!
-Mas eu não quero que tu venhas passear comigo... Eu...
-Já sei! Queres que eu te leve ao cinema.
-Não!... Irra que tu és de compreensão lenta! Eu quero
que tu venhas comigo a casa da minha patroa.
-Não penses nisso. A tua patroa pensa que eu vou lá para petiscar
alguma coisa... Não! A casa da tua patroa, não vou!
- Mas tens que ir... Se não vaisa bem, vais a mal!
- Liças, não toques na farda, olha que eu dou-te voz de prisão!
- Presa já eu estou ao teu coração. ..
-Também eu, meu amor!... Licas, como eu gosto de ti... Para o ano,
se tudo correr bem, casaremos na terra.
- Na terra ?! Então querias casar no mar?
- Não brinques, Liças!... Eu disse que casaríamos na
terra, mas é na nossa terra natal!
-Casar no Natal?!... Que coisa tão estúpida...
-Liças, tira a caspa da cabecinha e faz o possível por me compreenderes...
Eu quero que a gente
case na nossa terra... Percebes?!...
Em Piteiras de Cima!
-Ah!!!
-Até que enfim!...
- Gervásío, mas vem comigo a casa da minha patroa... É
que assassinaram o senhor Palitovsky!
Ao ouvir estas palavras da cozinheira, o polícia arrancou a toda a
velocidade, deixando a cozinheira meio aparvalhada, porque na outra metade
já ela o era há muito, e em doses industriais...
O polícia chegou a casa do morto com a língua de fora... Fizera
os cem metros em tempo «record»... Tocou a campainha, esperou
e ninguém lhe abriu a porta. Mas, como era um polícia astuto,
resolveu entrar pela porta de serviço. Entrou na cozinha e, quando
espreitou pela porta da biblioteca, deu um grito e caiu para o lado...
Mais tarde, a cozinheira chegou também à residência, onde
estavam todos caídos por terra... Foi a vez da Licas Petisqueira cair
para o lado, tendo o cuidado de ir desmaiar mesmo ao lado do polícia...
Quando os detectives
Patilhas e Ventoinha chegaram ao local do crime, o espectáculo era
horrível!...
Na biblioteca estavam os corpos inertes do Sábio Palitovsky, de sua
esposa, das três criadas de dentro, da cozinheira, e ainda do polícia...
- Oh, chefe isto até parece um cemitério!
-Que grande tragédia, Ventoinha!... Isto é o que se chama um
crime por atacado...
Estavam os dois detectives a olhar para este cenário macabro, quando
se ouviu um violento espirro...
-Santinho, chefe!
-Eu não espirrei. Ventoinha!
-O quê?!... Então!... Ai!...
E o Ventoinha desmaiou, e caiu em cima de um monte de corpos moribundos. Foi
nesta altura que todos se levantaram, assustados, fazendo com que o Patilhas
também desmaiasse...
Uma hora depois, só
se encontravam na sala da biblioteca os corpos do Patilhas, do Ventoinha e
do sábio Palitovsky... Todos os outros tinham fugido espavoridos...
O Ventoinha foi o primeiro a despertar do des-maio. ..
Ao ver o seu chefe caído, deu uma gargalhada estúpida...
-Ai!... Ah!... Ah!... Agora já sei que o chefe também é
medricas!... Ah!... Ah!... Ah!...
Ao ouvir estas gargalhadas, o Inspector Patilhas acordou...
-Ventoinha, eu-não desmaiei... Isto foi truque... Percebes?!... Foi
truque...
-Pois... Foi truque... O chefe é um brincalhão, não é?!
-Ventoinha, vamos ao trabalho!... Primeiro, temos que saber se o morto está
mesmo morto...
-Até cheira, chefe!... Está morto e bem morto... Só não
percebo o motivo por que ficou com o rosto, tapado... Devia ter morrido envergonhado.
..
-Ventoinha, este homem não foi assassinado... Devia ter morrido de
vergonha... Vês aqui este jornal?!
-Vejo sim, chefe!,.. Está aberto na página de anúncios...
-Devia ter morrido envergonhado por algum anúncio que aqui vem... Ventoinha,
vamos procurar esse anúncio!...
-Talvez seja este: «Empregado, precisa-se, para escritório, que
saiba inglês, francês, contabilidade, estenografia, expediente.
Ordenado inicial 600$00 por mês...»
-Não! ...O caso devia ter sido mais inacreditável... Sim, porque
um homem não pode morrer envergonhado por um caso vulgar... Tem que
ser realmente um anúncio estúpido. ..
-Então, vamos procurar melhor...
Iam decorridos 53 minutos e 14 segundos, e os detectives Patilhas e Ventoinha
ainda não tinham descoberto o anúncio que teria provocado a
morte do sábio Palitovsky, quando o morto levantou a cabeça
e disse:
-Eu não morri por causa do anúncio... Eu morri envergonhado
porque... li no jornal a notícia da minha morte!... Que vergonha! Morrer
sem ter pago as minhas dívidas!... Oh, que vergonha!
E, dizendo isto, o morto voltou ao seu estado primitivo, e o Inspector Patilhas
disse ao seu ajudante:
-Se todos pensassem neste caso, ninguém morria sem vergonha...
- Realmente, há muito pouca vergonha, chefe!-acrescentou o Ventoinha.
FIM