Em meados da década de 50 li num magazine policiário (titulado
"Gato preto" e dirigido pelo arquitecto Victor Palia que,
antes havia dirigido o "Vampiro Magazine" que se finou) um
artigo sobre a "Guerra dos mundos", de Herbert Wells e algumas
linhas do guião escrito por Howard Koch, o argumentista do filme
"Casablanca".
Achei curioso tentar fazer uma emissão similiar em Portugal,
em locais conhecidos, com nomes portugueses.
Reli "A guerra dos mundos" e elaborei uma sinopse do que seria
do programa.
A Direcção da R.R. (Rádio Renascença) na
altura achou curioso, mas endossou o assunto para a censura interna.
Esta também não viu inconveniente mas, pelo sim, pelo
não, consultou o delegado do Governo.
Aqui uma informação que talvez nem todos saibam: no anterior
regime, além da censura para a imprensa feita pelos "reumáticos
majores reformados" na Calçada da Glória, era Lisboa,
havia um censor para cada estação de Rádio e também
para a RTP, bem como para cinema e para teatro.
O delegado também não encontrou razão para proibir
e deu "luz verde" ao projecto.
(Curiosamente ninguém dos três"crivos" por onde
a sinopse passou deu conta de que, entre várias entidades fictícias,
me passou a sigla GNR...Nem nenhum interveniente durante as gravações
deu pelo "lapso" que me poderia ter acarretado mais dissabores
do que acarretou...).
Depois deste Amén generalizado puz-me ao trabalho de adaptar,
actualizar, inventar, etc" sobre a obra "A guerra dos mundos".
Passo seguinte: falar com colegas da R.R. para entrarem no projecto"
O papel de repórter da R.R. estava destinado ao Henri-
que Mendes que, à última hora, me pediu para ser substituído
dado que andava a fazer provas para entrar na RTP.
A escolha caiu sobre um colega e amigo dos Emissores Associados de Lisboa,
Álvaro de Lemos.
Seguiu-se o trabalho de pedir a colegas e a amigos se tinham parentes
ou colegas de trabalho que pudessem colaborar. Vozes fortes para comandantes
de exército; voz pausada, mas firme para membros do Governo,
etc.
Seguiu-se um trabalho
de imaginação: inventar ruídos para determinadas
situações. Eu e o Moreno Pinto andámos dias a dar
voltas à cabeça. Consegui que a delegação
da "Paramount Filme" me desse colaboração.
Uma tarde, eu e o Moreno Pinto "artilhado" com gravador, fomos
visionar o único filme existente baseado no livro de Wells.
Praticamente nada aproveitámos, uma vez que as cenas com sons
insólitos tinham "a companhia indesejável" de
música.
Criámos os nossos próprios sons e um dos mais curiosos
é o do ruído de multidão assustada e aos gritos.
Esse som assim parece no contexto em que foi inserido. No entanto trata-se
de uma gravação que fizemos num baile de fim-de-ano na
Casa do Algarve que era vizinha dos estúdios da R.R.!!!
A cena do combate em Vila Nova de Gaia tinha que ser feita ao ar livre.
Naquela época não havia câmaras de eco, revérberos
e muito poucos discos de ruídos e de sons.
Uma noite, depois do fecho da emissora, fomos para Monsanto, junto ao
emissor da R.R. carregando um gravador "portátil" com
algumas dezenas de quilos. Ali podíamos gritar à vontade
a palavra "Fogo", bem como as várias ordens em voz
alta.
O meu trabalbo, meu como o do Moreno Pinto secundado pelo António
Ricardo e o de todos os intervenientes, foi absolutamente gratuito.
A R.R. não gastou um centavo com a emissão.
Desde que escrevi a sinopse até o programa ficar pronto para
transmitir, o trabalho durou 11 meses e algumas semanas.
Durante a transmissão começaram a "chover" os
telefonemas dos mais variados: angustiantes, curiosos, insultuosos,
etc"
O primeiro foi da agência noticiosa "France Press" a
saber o que se passava em Carcaveligs e onde ficava situada a "Quinta
das Conchas" pois tinham enviado um repórter para o local"..
Por duas vezes sou chamado ao telefone porque um senhor super irritado,
dizendo ser o comandante de piquete da PSP no Governo Civil, me ordenava
que parasse a transmissão, caso contrário... me mandaria
prender*
Não liguei importância ao caso porque, nessa altura, já
eu e três colegas nos estúdios, estávamos a ficar
nervosos com os telefonemas e antevendo o que poderia acontecer.
Cumprindo a sua palavra o comandante - que o era de facto - mandou um
sub-chefe e três guardas devidamente armados prender-me aos estúdios.
Aí a emissão foi interrompida e passaram a transmitir
discos.
No Governo Civil compreendi a histeria do graduado: um PBX com 20 linhas
estava totalmente bloqueado por pessoas a saber
o que se passava, porque tinham visto incêndios em-Carcavelos
(?); qual era a guerra que havia em Vila Nova de Gaia (?), etc.
Assim, se tivesse havido qualquer problema grave na cidade a PSP do
Governo Civil nada podia fazer por ignorar.
Para "saber que não se brinca com coisas sérias!"
prendeu-me numa cela, durante cerca de 3 horas, como um vulgar meliante.
No dia seguinte todos os jornais tinham manchetes sobre o assunto, uns
criticando, pouquíssimos aplaudindo. Recordo-me apenas de duas
excepções: "Diário de Lisboa" e "Diário
Ilustrado".
Nomeadamente um jornalista (?) do "Jornal de Notícias"
foi asperamente crítico, chegando ao ponto de, dias depois, voltar
ao assunto lamentando que o 'responsável não tivesse sido
severamente punido'. Esse articulista (?) lamentou que a R.R. tivesse
feito a transmissão, porque o programa era patrocinado por uma
empresa de máquinas de escrever !!! E foi bem mais longe pedindo
ao Governo "uma censura mais apertada para a Rádio".
Aos poucos fui tendo conhecido do eco da emissão parcial em jornais
espanhóis, franceses, ingleses e alemães.
O dossiê com todos os recortes foi, infelizmente, perdido por
um amigo meu, e estou reduzido a umas poucas fotocópias de publicações
portuguesas.
As chamadas telefónicas continuaram durante vários dias
para a R.R., havendo ouvintes indignados que deixaram de ser sócios
e muitos outros (alguns fazendo questão em frisar que nem eram
catolicos!) a inscreverem-se na 'Liga dos Amigos da R.R."
Pouco mais de uma semana após a emissão fui levado à
PIDE por um agente, para interrogatório. Subi e desci escadas,
passei por páteos, estive em vários gabinetes, ora só
ora acompanhado por agentes "mudos" e, do 32º andar onde
me encontrava, acabei por descer para o átrio onde se situava
o gabinete do "inspector" Ferreira da Costa.
Ele estava devida e pormenorizadamente documentado sobre o caso de Welles
e o que tinha sucedido nas U.S.A.
O interrogatório prolongou-se por várias horas, uma vez
que entrei no edifício pelas 9h30m e saí cerca das 16h00.
Tinha dois dias para entregar uma lista completa de todos os participantes
na "parvoíce" (sic) com nomes, moradas, números
de telefonemas, moradas de empregos, números dos B.I., idades,
etc., etc.
Foi isso que fiz, temendo que algum elemento que não conhecia
pudesse ter algum problema político. Felizmente nada houve a
assinalar.
Foi no passeio, à porta do edifício, que o "inspector"
com palmadinhas nas costas me disse, mais ou menos: "Por agora
tudo bem. Mas não se meta nessas coisas. Um dia faz qualquer
coisa sobre a Lua, volta para cá e, se calhar, não sai
".
Semanas mais tarde soube, de fonte fidedigna, que fora Oliveira Salazar
quem telefonara para o comandante-geral da PSP para cortarem o programa
e para me prenderem por umas horas e para o Director-geral da PIDE para
"darem um puxão de orelhas ao rapazinho"...
Hoje continuo convicto de que não fosse o programa emitido pela
"emissora católica portuguesa" eu teria estado metido
num grave e incompreensível problema e, talvez, numa situação
bastante embaraçosa.
Por:
Matos Maia
em exclusivo para Clássicos da Rádio |
Escute
a gravação Original |
1ª
Parte - - 25' 39s |
|
2ª
Parte -- 26' 31s |
|
3ª
Parte - - 21' 41s |
|
|
|
|
Diário
de Lisboa
1958 |
UM
PROGRAMA QUE FEZ ALARME |
|
Diário
Popular
26 Junho 1958 |
MILHARES
DE PESSOAS ATERRORIZARAM-SE |
|
Diário
de Noticias
1958 |
UM
PROGRAMA RADIOFÓNICO PERTURBOU A TRANQUILIDADE DE MUITOS
LARES PORTUGUESES
|
|
A
VOZ
27 Junho 1958 |
UM
PROGRAMA RADIOFÓNICO ESTABELECE O PÂNICO NA POPULAÇÃO
E ORIGINA GRAVES ABORRECIMENTOS |
|
O
Século
1958 |
UMA
EMISSÃO RADIOFÓNICA QUE CAUSOU ALARME |
|
O
Primeiro de Janeiro
1958 |
UM
ROMANCE DE FICÇÃO CIENTÍFICA, TRANSMITIDO
POR UMA EMISSORA. PROVOCOU O PÂNICO |
|
Jornal
de Noticias
1958 |
BRINCADEIRA
RADIOFÓNICA DE GRAVES EFEITOS... |
|
|
|
|